“Para mim, tem sido muito importante”, relata um dos detentos. “Aprendi muito sobre dependência química, uma doença muito grave. E não é só importante para mim, mas para todos nós que participamos”. O depoimento reflete o impacto positivo de um projeto que, há dois meses, oferece mais uma opção de suporte psicológico a apenados do Presídio Regional de Criciúma, com o foco de tratar a dependência química e quebrar o ciclo de reincidência criminal.
A ação é uma parceria do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) com a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) e a unidade prisional. O grupo de seis detentos tem recebido o suporte de acadêmicos de Psicologia que se reúnem com eles semanalmente dentro da unidade prisional para abordar não apenas o vício, mas também para traçar novos planos de vida, metas e sonhos para que, quando deixarem o presídio, não retornem ao uso de entorpecentes e à criminalidade.
A ideia por trás do projeto surgiu quando o Promotor de Justiça Jadson Javel Teixeira identificou um ciclo problemático. “Eu percebi que havia muita relação na prática dos crimes com o uso de drogas, em especial o crack, e com isso estávamos chovendo no molhado, tentando resolver essa questão da forma errada. A gente pegar a pessoa que cometeu um furto, que é o mais comum, e deixá-lo segregado, enquanto ele está preso ele fica bem, sem a droga, com saúde, engorda, mas, quando cumpre a pena e é solto, volta a ser pego furtando, usando droga, e quando se vê já está com 60 boletins de ocorrência”, explica Teixeira, que idealizou o projeto.
“Foi quando pensei que não estava dando certo do modo que fazíamos, que deveríamos aproveitar o período em que esse apenado está segregado para fazer um tratamento psicológico e reverter toda essa situação, tratando o vício para buscar reduzir essa reincidência. Então buscamos esses valiosos parceiros e começou o projeto”, completa o Promotor.
As ações estão sendo feitas com apenados que cumprem pena por crimes considerados de menor poder ofensivo, como furtos e roubos, e que estão próximos de alcançar a progressão ao regime aberto e o livramento condicional, momento em que retornam ao convívio em sociedade.
Mudanças de comportamento e atitude
Já em sua reta final, após sete dos dez encontros previstos, os resultados começam a aparecer. Detentos relatam mudanças significativas de comportamento e atitude. Um dos participantes compartilhou como as técnicas de respiração ensinadas no grupo o ajudaram a evitar uma briga dentro da cela. “Para mim está sendo bom também para o convívio dentro da cela. Eu era uma pessoa meio explosiva, meio ignorante, e, com as conversas que nós temos aqui, elas me ensinaram algumas técnicas para a gente poder evitar os confrontos, para não ter brigas. Teve uma situação, por exemplo, em que eu consegui sair de uma briga, eu fui para minha cama, fiz o procedimento da respiração que elas ensinaram e me controlei”, conta.
“Elas” a quem o detento se refere são Danielly Desiderio e Millena de Carvalho, acadêmicas do curso de Psicologia de Unesc que têm estagiado no presídio e conduzem os encontros orientados pela psicóloga professora da Universidade e doutora em Saúde Coletiva Larissa de Abreu Queiroz.
“Esse problema da dependência química vai muito além do uso de substâncias em si. Existem inúmeros fatores que se incluem nisso. Então, nosso propósito dentro do grupo é perceber as demandas deles, trabalhar em cima disso e ajudar para que eles ressignifiquem os pensamentos, as crenças em relação ao uso de drogas para que eles se sintam mais pertencentes a sua própria vida e consigam se manter depois, quando estiverem em liberdade, longe do uso de drogas”, conta Danielly.
Segundo a psicóloga do Presídio Regional, Ana Claudia Schmidt Rabello, o grupo terapêutico, que há tempos era uma necessidade percebida pela equipe, finalmente tornou-se realidade com essa parceria e já está colhendo frutos visíveis. “Para nós está sendo muito gratificante poder estar participando e sermos pioneiros na aplicação desse projeto, que tem sido tão importante. Hoje já conseguimos perceber mudanças no comportamento dos reeducados. No início eles ficaram mais resistentes em participar, mas depois dos primeiros encontros já foram se abrindo mais e hoje já percebemos a entrega deles ao grupo e ao tema”, conta a profissional.
“Construindo esperança”
A integração e o espírito de parceria são notáveis entre os membros do grupo. Um dos momentos mais emocionantes relatados pela acadêmica Millena foi quando um apenado voltou de uma saída temporária sem consumir drogas.
“Ele voltou nos relatando que ficou muito feliz por ter se mantido longe das drogas e isso para nós foi muito enriquecedor. Ficamos muito felizes por estarmos conseguindo construir essa esperança. Cada relato que eles trazem é sempre uma troca muito grande para todos do grupo, deixando todos muito motivados. O grupo como um todo criou uma identidade muito grande. Quando nós fizemos as entrevistas individuais para ver quem gostaria de participar, houve certa resistência, eles estavam mais inseguros, mas agora, ao decorrer do grupo, a gente vê uma mudança bem clara do engajamento deles”, relata Millena.