A crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) em atividades humanas têm provocado profundas transformações no campo jurídico, especialmente no Direito Penal. Se por um lado a IA oferece avanços tecnológicos promissores, por outro, sua aplicação indevida tem potencializado práticas criminosas no ambiente digital, como deepfakes, fraudes automatizadas e invasões de sistemas.
A principal questão que se impõe é: quem deve ser responsabilizado penalmente por atos praticados com o auxílio de sistemas autônomos? A resposta não é simples. O ordenamento jurídico brasileiro ainda não prevê a responsabilização direta de máquinas, pois a responsabilidade penal exige capacidade de culpabilidade, o que pressupõe consciência e vontade – atributos inexistentes em sistemas artificiais
Diante disso, a doutrina tem apontado três modelos possíveis de imputação penal:
- Responsabilidade do usuário ou operador – aquele que se vale da IA como instrumento para a prática do crime.
- Responsabilidade do programador ou desenvolvedor – quando há falha ou dolo na concepção do sistema.
- Responsabilidade por consequência natural e provável – aplicável quando o resultado era previsível pela conduta humana envolvida
Embora o Brasil ainda careça de uma lei específica sobre IA, alguns diplomas legais são utilizados subsidiariamente:
- Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) – regula direitos e deveres no ambiente digital, incluindo a responsabilidade dos provedores de aplicações.
- Lei dos Crimes Cibernéticos (Lei 12.737/2012) – tipifica condutas como invasão de dispositivos informáticos.
- Lei de Fraudes Eletrônicas (Lei 14.155/2021) – agrava penas para crimes patrimoniais cometidos por meio digital
Além disso, há projetos de lei em tramitação que visam regulamentar o uso da IA, especialmente no contexto penal.
Um exemplo emblemático é o uso de IA para criar deepfakes – vídeos ou áudios falsos que simulam pessoas reais em situações constrangedoras. Esses conteúdos podem configurar crimes contra a honra (arts. 138 a 140 do CP), além de violar direitos de imagem e privacidade. A dificuldade está em identificar o autor humano por trás da máquina, o que exige perícia técnica e cooperação internacional.
A responsabilização penal por atos praticados com IA exige uma releitura dos conceitos clássicos do Direito Penal, especialmente no que tange à autoria e à culpabilidade. Enquanto não houver uma legislação específica, caberá à jurisprudência e à doutrina preencher essas lacunas, com base nos princípios constitucionais e na interpretação sistemática das normas vigentes.
Atenciosamente,
Matheus Bicca Menezes
Matheus Bicca Menezes