Jovem que almejava cursar o Ensino Superior, Rodeval Alves também deixou contribuição como diretor da Instituição
Com os olhos semiabertos, Rodeval vê os fios de cabelo que caem de sua cabeça e vão parar no piso do City Club. Entre gargalhadas, ele sente o frio da navalha da tesoura manipulada habilmente por um dos colegas. Mesmo ficando careca aos 24 anos, ele não fica triste, nem bravo. Pelo contrário, tem o sorriso misturado aos dos amigos. Não somente daquele que decidiu se tornar cabeleireiro improvisado, mas pelos mais de 100 jovens que circulavam pelo salão.
Na mente, um filme. Lembranças de anos atrás. Recordações de lutas, mobilizações, conversas, encontros que resultaram naquele instante: ser aprovado no vestibular de Pedagogia, o primeiro de uma instituição de Ensino Superior de sua cidade natal, Criciúma.
A Fundação Educacional de Criciúma (Fucri), nasceu do anseio de toda uma comunidade que, por anos, batalhou para que ela se tornasse realidade.
Anos de lutas
Hoje, há poucos fios de cabelo sobre a cabeça de Rodeval José Alves, mas o motivo é a ação do tempo e não as mãos dos amigos “cabelereiros”. Inquieto em sua juventude, ele recorda cada passo até que o Ensino Superior de Criciúma saísse dos sonhos da comunidade e ganhasse forma.
Anos antes daquela noite de 1970, quando iniciou a comemoração junto com os outros aprovados no City Club, seguindo de lá para a Praça Nereu Ramos, Alves já buscava ajudar na criação de escolas em Criciúma. A primeira investida visava o nascimento de uma instituição de Serviço Social, no bairro São Cristóvão, onde residia.
Depois, se tornou executivo de uma comissão que buscava a criação de uma escola de Direito. Ele lembra que o grupo chegou a ir a Brasília acompanhado do prefeito Arlindo Junkes, mas acabou levando “um banho de água fria”. A tentativa contava com o empenho do gestor municipal, que enviou para a Câmara de Vereadores um projeto de Lei criando uma autarquia municipal chamada Faculdade de Direito.
“Fomos à Capital Federal em 1964, justamente no ano que a Ditadura Militar teve início. Na oportunidade, a assessora do Conselho Federal de Educação falou que a Escola de Direito era material de exportação da revolução. Então arquivaram os papéis e a escola nunca nasceu”, conta.
De volta ao bairro São Cristóvão, era hora de nova tentativa. Com a intenção de implantar uma escola de Estudos Sociais, a associação de moradores fez encontros com o reitor da Udesc, o neoveneziano Celestino Sachet. Mas, apesar das tentativas, a ideia também não prosperou, com a alegação de que não haviam recursos financeiros para tal.
Alves recorda que os movimentos sociais eram intensos na década de 1960 e, como alternativa para manter vivo o sonho de uma faculdade, foi criada a Associação do Desenvolvimento de Ensino de Criciúma (Adec), uma entidade civil e sem fins lucrativos.
Naquela altura, cidades do interior catarinense como Blumenau e Tubarão já haviam dado o primeiro passo com a criação da Universidade Regional de Blumenau (Furb), no Vale do Itajaí, e com a Escola de Economia no município do Sul do estado.
“Criciúma já vinha se movimentando para ter uma escola de ensino superior, uma faculdade, como se falava. Os movimentos sociais, tanto os clubes de serviços, as associações de amigos de bairros, entre outras forças vivas estavam coesos com relação a esta campanha”, relata.
Sem desistir
Os jovens da cidade do carvão não desistiram fácil e visualizaram uma nova oportunidade quando o então deputado estadual Ruy Hülse colocou o nome à disposição na corrida eleitoral à prefeitura do município. Encontros, conversas, vitória de Hülse e a promessa: “Criciúma teria uma escola de Ensino Superior “.
“Fizemos um grande encontro no City Club. Encheu o espaço. Convidamos o doutor Ruy e, neste encontro, ele prometeu que mandaria o projeto de criação da Instituição para a Câmara de Vereadores em breve. Para fazer justiça, antes do doutor Ruy enviar o texto para o Legislativo, anos antes, o vereador João Sônego apresentou uma moção que solicitava a criação do curso superior em Criciúma. Depois o Ruy Hülse mandou o projeto, bem elaborado, aprovado por unanimidade”, relata.
Integrantes de uma entidade chamada Câmara Júnior, Rodeval Alves e o amigo Carlos Antonio Dal Toé, ao lado de outros movimentos sociais, como o Grêmio Estudantil da Escola do Comércio, e a imprensa, seguiram encabeçando a luta. “Haviam vários grupos organizados. A imprensa também ajudou muito. Publicávamos artigos todas as semanas. A Rádio Eldorado também dava muita cobertura. Havia uma turma de estudantes e alguns mais maduros também”, comenta.
A assinatura que vale uma faculdade
Junho de 1968. O inverno criciumense guardava mais que o frio característico da época. Nos dias 22 e 23, a Câmara Júnior, em parceria com a Prefeitura, promoveu o primeiro Seminário de Estudos Pró-Implantação do Ensino Universitário no Sul Catarinense. E já no primeiro dia do evento, que contou com presença maciça da comunidade no auditório do Colégio São Bento, o prefeito Ruy Hülse, após dois anos no governo, sancionou a Lei nº 697/68, que instituiu a Fundação Universitária de Criciúma (Fucri).
O projeto já havia sido encaminhado à Câmara de Vereadores no início do mesmo mês, sendo aprovado por unanimidade no dia 18, em duas votações. O Ensino Superior em Criciúma agora era palpável, mesmo quatro anos depois da vizinha Tubarão ter instalado a sua primeira escola superior. Mas ainda havia muito a percorrer. Era preciso ajustar a documentação, ter um corpo docente e uma estrutura. E, até chegar ao momento em que Rodeval perde o cabelo por ser aprovado no vestibular, muito caminho ainda se trilhou.
O primeiro passo foi a criação e nomeação do Conselho Curador, do Conselho Técnico-Pedagógico e da Diretoria Executiva. Para diretor, Ruy Hülse nomeou o Irmão Marista Walmir Antonio Orsi, até então responsável pela Satc. Em dezembro do mesmo ano, Rodeval Alves foi convidado para assumir a Secretaria Executiva da Fucri. “A partir daí me dividi entre o trabalho no Banco do Brasil, com a atuação na Fundação”, recorda.
Depois disso, o prefeito doou um prédio para a Fucri, afinal as fundações precisam ter um patrimônio. O imóvel em questão é o prédio onde atualmente funciona a Casa da Cultura, na Praça Nereu Ramos.
Com a mantenedora estruturada e com a administração funcionando no andar superior do daquele imóvel, 1969 foi dedicado a criar a primeira unidade de ensino, surgindo assim a Faculdade de Ciências e Educação (Faciecri), com os cursos de Matemática, Desenho, Ciências e Pedagogia, todos nas salas de aula do Colégio Michel. Além deste, a Fucri assinou convênios com a Satc e o Colégio Marista para utilização da infraestrutura.
Para suprir a escassez de professores, a direção firmou parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e com a Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Porto Alegre.
“Estávamos começando do zero. O nosso primeiro vestibular e o primeiro semestre foram no Colégio Michel, depois conseguimos levar para a Satc, com um espaço maior. Foi lá que surgiu a ideia de comprar a primeira área para o campus universitário. Após isso, teve início a construção dos seis primeiros blocos para que a Instituição se tornasse independente”, enfatiza.
Irmão Walmir Orsi foi conduzido à diretoria da Faciecri. Em seu lugar, na Fucri, quem assume é José Alfredão Beirão. “Beirão assumiu, ficou um período. Nestas alturas tínhamos conseguido criar o curso de Letras, além dos quatro iniciais e o curso de Estudos Sociais, diz Alves.
Cada obstáculo vencido desde o início daquela batalha, que visava ajudar os jovens com vontade de cursar um ensino superior mas não tinham condições de ir para Florianópolis ou Porto Alegre, é lembrada por Rodeval. Assim como o dia em que foi convidado, em 1973, a assumir como diretor-presidente da Fucri, chegando à última fase de um ciclo que tinha iniciado na metade da década de 1960.
“Conseguimos viabilizar dez cursos. A Faciecri passou a contar com Estudos Sociais e Letras, que visavam completar a formação de professores para o ensino de Criciúma e região. Criamos também a Escola Superior de Educação Física e Desportos (Esede), tendo como modelo Porto Alegre e Joinville”, cita.
“Mas ainda não estava completo, pois as pessoas solicitavam um curso na área econômica, Estávamos com dificuldades porque o Ministério da Educação não autorizava a criação de novos cursos neste segmento, então partimos para a área tecnológica, criando assim a Escola Superior de Tecnologia (Estec), com o quarto curso de Engenharia de Agrimensura do país”, revela.
Os sonhados cursos na área econômica surgiram na sequência com Administração Hospitalar; Administração Pública e de Empresas, além das Ciências Contábeis, todos integrantes da Escola Superior de Ciências Contábeis e Administrativas (Escca).
O antes e o depois da Fucri/Unesc
Até hoje, Rodeval Alves visita o campus da Unesc. Não como professor, mas como um visitante, principalmente da Biblioteca e da livraria, onde busca novas obras para enriquecer ainda mais a estante que mantém na sala de casa.
Para ele, a Fucri representa muito. “Foi uma escola onde aprendi muito. Eu possuía a experiência do Ensino Médio, pois já havia sido professor, mas o Ensino Superior abre uma visão extraordinária, e representa muito para mim. Há o antes e o depois da Fucri/Unesc. A Instituição é um divisor do desenvolvimento. Ainda hoje é um ambiente muito bom onde me sinto bem e renovo as energias”, pontua.
Confira mais um depoimento da série “Unesc: 55 Anos de Histórias”:
Colaboração: Agecom