Por Alexandra Cavaler
Viver 101 anos já é um feito, mas estar ao lado da pessoa que ama, também com 101 anos, e completar 80 anos de casamento é mais que especial. Isso tudo fica ainda perfeito e cheio de amor quando o casal se completa com 12 filhos (um falecido), 34 netos, 61 bisnetos e sete trinetos. Essa é a realidade do João Raichaski e Maria Pizzetti Raichaski, ambos com 101 anos e naturais de Içara. O casal completou 80 anos de casamento – boas de Carvalho, no dia 14 de setembro de 2024.
João, hoje um pouco mais debilitado, ressaltou o amor, respeito e paciência como sentimentos mais que importantes para um relacionamento duradouro. E Maria completa: “Para manter uma união por tanto tempo é preciso de amor, tolerância, respeito um pelo outro e pela família, oração, dedicação à família, escolher ficar no casamento e respeitar essa decisão mesmo nos momentos bons e nos difíceis”.
A bisneta Milena Raichaski Arruda, de 14 anos, relata sobre a felicidade de ter os bisavós para compartilhar momentos. “Eu me sinto muito alegre e orgulhosa de ter bisavós centenários, já que posso ter momentos ao lado deles o que muitas pessoas da minha idade não conseguem mais ter. Além disso, é uma grande oportunidade de aprender muito com eles, principalmente com a bisa Maria que nos ensina muitas coisas diariamente como, por exemplo, sobre as ervas que ela cultiva e histórias que ela viveu antigamente. Acho que a relação entre os dois um exemplo, uma vez que eles sempre demonstram muito respeito e amor um pelo o outro, sempre citando que Deus é a base de tudo, principalmente da família”.
Bodas de Carvalho
As Bodas de 80 anos de casamento são chamadas de Bodas de Carvalho. A árvore de carvalho é escolhida como símbolo para celebrar esta data por ser resistente, estável e maleável. Além disso, o carvalho é uma árvore nobre, resistente, impermeável e dura, considerada sagrada, e representa a força física e moral. A árvore mais antiga da floresta, também simboliza a sabedoria do casal. Estar 80 juntos é viver um amor que se transformar com o tempo, deixando de ser uma paixão intensa e se tornando um sentimento mais profundo e sereno; caracterizado por companheirismo, cumplicidade e aceitação mútua.
A trajetória dos içarenses, assim como a da maioria das pessoas, também foi marcada por desafios e superações. Entre eles, a troca do sobrenome; início de vida bem difícil, pois plantavam para poder comer; uma enchente na qual perderam toda a plantação, ou seja, o sustento de todos; e mais dolorosa delas: a perda de um filho, que morreu aos 9 anos de idade, num acidente quando retornava da escola. Segundo a filha Marilene, a maior tristeza vivenciada pelos pais.
Como tudo começou
Dona Maria conta que seu João frequentemente ia à atafona moer milho. Na época ambos tinham 15 anos de idade, mas não havia nenhum interesse por parte dos dois. “Cinco anos depois, nós já com 20 anos, estávamos numa festa da capela, trocamos olhares, meia dúzia de palavras, o que foi suficiente para ele criar coragem e ir à casa dos meus pais para fazer o pedido de namoro. Namoramos durante um ano e casamos na igreja São Donato, em cerimônia celebrada pelo padre Pedro Baldoncini”, contou.
Ela ainda lembra que assim que casaram foram morar com seus pais por um tempo. Logo ela engravidou, mas acabou separa do marido que foi convocado pelo exército onde ele exerceu a função de enfermeiro, aplicando injeções, “pois tinha experiência. No exército também teve a mudança do sobrenome por erro do exercito: mudou de Rayciki para Raichaski, na época tentou reverter o erro, mas foi em vão”, revelou dona Maria.
Já a filha Marilene conta que os pais trabalhavam na lavoura e com engenho de farinha. Compraram um terreno e uma casa na localidade de Canjicas onde plantaram milho, mas veio a enchente do rio Araranguá e perderam tudo. “Depois da enchente o pai vendeu tudo e comprou um terreno com casa e o Café Salete, em Içara, que foi registrado em Florianópolis como café Vanda (apelido da primeira filha). Ele também herdou do vô André terras na Linha Três Ribeirões, onde hoje fica a Rod SC-444, e com um dos irmãos, negociou as terras da SC em troca do terreno que tinha e o café Vanda. Nessas terras, no início plantavam milho, depois o pai começou a trabalhar com plantação de fumo, construiu duas estufas, trabalhou como instrutor de fumo, e a mãe começou a plantar verduras”.
Um ovo para quatro
Marilene ainda lembra que a mãe acordava antes do sol raiar para colher e arrumar as verduras na carroça, para depois vendê-las de porta em porta em Içara, no bairro Mineração, hoje Aurora; na Próspera e até Criciúma, onde a maioria das suas clientes eram as mulheres de médicos. Vendeu verduras de carroça por 20 anos com ajuda das filhas. “Aos 55 anos tirou a carteira de motorista e comprou um fusca e assim passou a fazer suas vendas de carro”, detalho a filha emocionada, acrescentando com orgulho que os pais sempre trabalharam arduamente para manter a família unida e saudável. “No início a vida foi bem difícil, plantavam para comer, a mãe dividia a comida que era colocada em uma bacia e depois dividida uma parte para cada um dos filhos. Um ovo era dividido em quatro pedaços, havia sempre minestra, polenta com leite e pirão. Alguns de nós, ainda pequenos, íamos para a roça e ficávamos dentro do balaio brincando, enquanto os mais velhos ajudavam na lavoura”.
Loteamento dá nome ao bairro Raichaski
No ano de 1977, o filho Almerindo, propôs ao pai lotear parte de seu terreno com a intenção de arrecadar fundos para o pagamento de uma divida bancária, foi a partir desta ideia que surgiu o Loteamento Raichaski, um espaço bonito e arborizado, registrado por Almerindo como Parque Residencial Raichaski. Hoje, juntamente com outros loteamentos, faz parte do bairro que leva seu nome, bairro Raichaski.
O pai se aposentou como agricultor e a mãe como costureira, pois também costurava para a família. “O pai e a mãe nos criaram e educaram com exemplos. O pai apenas com um olhar até hoje, aos 101 anos, nos corrige, sem precisar discussões. Nunca ouvimos de nossos pais reclamações, nem mesmo nas maiores dificuldades, o que nos fez fortes e persistentes. Também nunca ouvimos falarem da vida alheia, o que nos mostrou que todos nós temos nossas limitações, defeitos e qualidades. Sempre nos mostraram que o trabalho nos leva ao sucesso e que uma família deve permanecer sempre unida, juntas em todos os momentos, como nas dificuldades e nas comemorações”, ressaltou orgulhosa, a filha Pupa. “Na casa de meus pais, sempre se comemora as pequenas e grandes conquistas, hoje comemoramos todos os domingos a vida deles, onde nos reunimos na mesa de café na cozinha da casa deles, com a simplicidade do ato, mas com a alegria imensa de tê-los ainda entre nós, nos mostrando como viver bem e em abundancia”, emendou o filho Almerindo.
Religiosidade
Muito católicos todos os domingos pela manhã, com chuva ou sol, acordavam todos os filhos cedo para ir à missa e todas as noites reuniam os filhos na sala, em torno de uma mesinha, para rezar o terço de joelhos. “Com isso nos mostraram a importância de ter Jesus presente em oração, na fé da intercessão da Virgem Maria. Ainda cabe enfatizar que a mãe sempre foi muito preocupada com a saúde da família, ingressou na pastoral da saúde, onde passou a cultivar diversas ervas, fazia xaropes, pomadas, garrafadas; e recebia muitas pessoas em busca de ervas para chás, e afins. Isso tudo era doado às pessoas que a procuravam em casa ou na pastoral da saúde. Até hoje a mãe cultiva diversas ervas, e vez por outra aparece alguém a procura”, disse Marilene.
Festeiros
Os filhos ainda revelam que os pais sempre gostaram muito de festas, bailes, da diversão com a família e amigos. Seu João, um grande piumbador de bocha em área de grama aberta, também tocava gaita, o que hoje não consegue mais. Dona Maria até hoje participa do grupo de idosos, adora um passeio e passa as tardes fazendo leituras sobre saúde. Sempre se preocupou em ter boa alimentação e atividade física.
“Rimos muito quando pegamos os álbuns de fotos antigas e ficamos lembrando aquela época, os estilos de roupas, calçados, cabelos, como eram os namoros, como as filhas enrolavam o pai e a mãe para saírem para as festas e para namorar, como os filhos discutiam entre eles para disputar uma atenção ou um brinquedo. Essas lembranças dos momentos vividos que nos deixam saudades, mas ainda podemos contar e compartilhar com nossos pais presentes”, pontuou Marilene com os olhos marejados.
Filhos e netos: declarações e reconhecimento
Almerindo Raichaski, diz que ter os pais, com 101 anos, ainda por perto, é uma benção divina. “Ter meus pais com 101 anos é uma grande satisfação, motivo de alegria e benção de Deus, são poucos casais que chegam nessa idade e com 80 anos de casados. Com eles temos um aprendizado de como é possível ter uma longa vida com harmonia entre pais e filhos, dando importância a tudo e a todos com tolerância e amor. O relacionamento entre eles sempre foi harmônico, algumas vezes tinha também os desentendimentos, mas o amor sempre falou mais alto e logo já fica tudo bem. E eu, não tenho dúvidas que este laço de união familiar é um investimento valioso, e a convivência com eles um bom aprendizado, pois os bons exemplos que eles nos deixam e procuro praticar, são muitos, como não falar mal de ninguém, ter tolerância, cuidar da família, cuidar da saúde com boa alimentação, fazer exercícios, beber água, mexer com a terra, cultivar uma horta, ervas medicinais ou um jardim, ler bons livros.”
Maria Marilene Raichaski, filha, salienta que ter os pais com 101 anos é, com certeza, uma dádiva de Deus que os enche de orgulho e alegrias. “São 80 anos de uma parceria de amor, respeito e tolerância. Eles escolheram, dia após dia, seguir juntos mesmos nos momentos mais difíceis, sempre com a presença diária de Deus que é o alicerce para a união e o perdão”. “Ter avós centenários, é uma benção. E eu como neta mais velha tenho muito orgulho. Especialmente com a energia e a alegria de uma avó serelepe e falante. É inspirador ver alguém alcançar uma idade tão avançada com vitalidade, o que reflete muita força, histórias ricas e uma vida bem vivida. Meu avô, mesmo com limitações físicas, encontra formas de demonstrar seu amor e carinho por todos. Eles mostram como a colaboração e o apoio mútuo são pilares essenciais para um relacionamento duradouro e que a religião também é fundamental. Sempre que temos um almoço, café ou aniversário rezamos em família e cantamos a música: “Abençoa Senhor as famílias”. Além disso, eles nos demonstram diariamente que o amor e o cuidado mútuo são fundamentais, e ensinam que a paciência, a empatia e o companheirismo podem sustentar relacionamentos ao longo de décadas”, concluiu a neta Marilei Raichaski dos Santos.
Colaboração: Jornal Tribuna de Notícias