quinta-feira, 25 dezembro, 2025
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O Natal de quem cuida: retratos da renúncia silenciosa

Por Alexandra Cavaler

Enquanto a cidade se enfeita para a noite mais simbólica do ano, há gente que veste farda, uniforme ou simplesmente o coração e atravessa o Natal longe da própria mesa para garantir que outras mesas, físicas ou afetivas, não estejam vazias. São pessoas que silenciam a própria saudade para acolher a de alguém. Pessoas que deixam os seus para cuidar dos nossos. Histórias que fazem chorar porque lembram que o verdadeiro Natal raramente faz barulho.

Um lindo exemplo disso vem de Urussanga. No Abrigo Institucional Paraíso da Criança, o Natal não chega com grandes festas, mas chega com algo maior: presença. Francine Maito de Oliveira, coordenadora da instituição, vive todos os anos a celebração ao lado de crianças e adolescentes que, por decisão judicial, não podem estar com suas famílias. Ela descreve essa experiência como “um exercício de doação e presença”, uma tentativa amorosa de tornar a institucionalização mais leve e humana.

“Para muitos deles, a ceia de Natal, o carinho partilhado ou um momento especial nunca fizeram parte da sua realidade”, diz. “Estar com eles neste tempo é oferecer mais que presentes. É oferecer afeto, atenção, pertencimento. É mostrar que cada criança importa, que sua história pode ser reescrita”, ressalta Francine, revelando que por trás dessa missão, existem renúncias que o público jamais vê. “Renuncia-se à ceia em casa, às tradições pessoais, ao descanso e, muitas vezes, ao próprio silêncio emocional que o Natal costuma trazer. É preciso estar inteiro para acolher dores e expectativas. Abrir mão até do direito de fragilidade para ser referência de estabilidade”.

Transformação

No silêncio das mãos juntas, um pedido simples: que o Natal seja leve, seguro e cheio de amor – Foto: Divulgação/Paraíso da Criança

 

Mesmo assim, o abrigo se transforma. A equipe monta a decoração junto com as crianças; as fotografias profissionais viram ornamentos; as cartinhas apadrinhadas pela comunidade devolvem esperança. Há ceia antes do dia 25, há álbum de lembranças, há sorrisos costurados com cuidado. E há, sobretudo, os gestos silenciosos.

“O abraço que acolhe uma saudade que a criança ainda nem sabe nomear, o olhar que diz ‘estou aqui’, a conversa sentada no chão… É nesses momentos invisíveis que o Natal realmente acontece: quando eles percebem que não estão sozinhos. Que alguém escolheu ficar!”, conta Francine, emocionada, revelando o sentimento ao voltar para casa: “Volto pra casa levando sorrisos conquistados, abraços demorados e histórias que continuam a ecoar. E deixo no abrigo partes de mim (afeto, escuta, presença). Além disso, carrego comigo a certeza de que o Natal é menos sobre luzes na cidade e mais sobre luzes acesas dentro das pessoas”, enfatiza a coordenadora do abrigo. A instituição tem capacidade para acolher até 15 crianças e adolescentes. Atualmente, está com mais da metade das vagas ocupadas; número que o sigilo judicial impede de ser detalhado.

 

Entre o lar e a missão

 

No Balneário Rincão, o sargento Reginaldo Rzatki, comandante do 2º Grupamento da Polícia Militar, descreve o plantão de Natal como “uma renúncia silenciosa que poucos veem, mas muitos dependem”. Todos os anos, ele envia uma mensagem à tropa, pelo rádio ou WhatsApp, agradecendo aos policiais que caíram na escala justamente na noite em que a maioria das pessoas está com a família. “Eles deixam a ceia, deixam o abraço, mas não deixam o compromisso. É uma missão nobre”, diz.

As renúncias vão muito além da ausência física. Há quem deixe um bebê recém-nascido ou um familiar doente em casa, e mesmo assim vista a farda. “O Natal mexe com a gente, aflora emoções. A vida é um sopro, e eles sabem disso. Ainda assim, escolhem estar aqui. E para suavizar a falta do lar, a própria guarnição vira família por algumas horas: um panetone dividido, um refrigerante, um abraço rápido entre chamadas. Naquele momento, quem está de serviço representa a família do policia,”, assinala.

Rzatki lembra ainda pequenos gestos que revelam o lado humano da corporação: policiais que, anonimamente, compram brinquedos ou panetones e entregam a crianças de comunidades mais vulneráveis. “São atitudes que ninguém vê, mas dizem muito sobre quem veste essa farda”, menciona reforçando que a segurança pública é uma construção conjunta. “Se cada um respeitar a lei e o próximo, já ajuda imensamente. A sociedade é parte essencial dessa engrenagem”. Com 34 anos de polícia, o comandante encerra com emoção: “Se é para enaltecer alguém, que seja o policial que está na rua, dia e noite, protegendo todos nós. No Natal, isso pesa ainda mais”.

Quando a farda substitui a ceia

Em clima de Natal, a guarnição ajusta a viatura e permanece pronta para atender quem precisar – Foto: Nilton Alves

 

No 4º Batalhão de Bombeiros Militares, em Criciúma, a 3º sargento Kênia de Quadra Dagostim, 38 anos, casada, mãe do Théo (8) e do Lucca (6), aprendeu cedo que emergências não tiram férias, nem no Natal. Bombeira há 14 anos, ela acorda nesse dia tão simbólico com a consciência de que, enquanto muitas famílias se reúnem, ela estará de prontidão para enfrentar aquilo que ninguém deseja: incêndios, acidentes, afogamentos e perdas.

“As emergências não pegam folga. Nosso compromisso vem em primeiro lugar, para que outros possam celebrar em segurança. Faz parte do nosso juramento”, explica. Esse senso de dever é o que guia sua rotina, mesmo quando o coração gostaria de estar em casa ajudando os filhos a abrir os presentes. E destaca: “Perdemos momentos de convivência, de refeições juntos, das lembranças de infância que brotam nessa época. E também há o lado de quem fica: minha família precisa abrir mão da minha presença para que eu possa estar disponível aos outros”.

Estar disponível no Natal, para Kênia, é um sacrifício abnegado, e profundamente humano. A farda, nesses dias, pesa um pouco mais. “É a forma de servir com humanidade. O cidadão pode ter a certeza de que, se precisar, estaremos lá. Já atendemos afogamentos no dia de Natal. Muitas vezes, o excesso na comemoração e o uso de álcool levam a situações graves. É um alerta para que essa data não vire lembrança triste”, orienta.

Família

Dentro do quartel, a guarnição vira família. Eles dividem ceia, histórias e, quando a escala permite, recebem visitas rápidas de parentes. “A equipe é nossa segunda família. Passamos muitos plantões juntos, treinamos juntos, nos apoiamos. Celebramos o Natal ali mesmo, se não houver ocorrências. E quando o turno termina, volto para casa com o mesmo sentimento: cansaço misturado com orgulho; e com o coração cheio, com a sensação de dever cumprido. Às vezes o único reconhecimento vem da própria equipe — mas é suficiente. Esse orgulho é o que nos faz voltar no próximo plantão”, avalia Kênia reafirmando que o Natal vivido na farda ensina sobre propósito. Sobre amar sem conhecer. Sobre servir sem esperar aplauso.Sobre estar onde a vida pede, mesmo longe de onde o coração gostaria de estar.

Cuidadores e a essência natalina do servir

Entre mãos que tremem e mãos que acalmam, nasce o espírito natalino do cuidado – Arquivo pessoal

No silêncio de um quarto em que o relógio marca outro ritmo, a cuidadora Greice Pacheco, há seis anos na Home Gold, vive um Natal diferente. Enquanto muitas famílias se reúnem, ela permanece em plantão, sendo o apoio e a presença de quem depende integralmente do seu cuidado.

Greice descreve essa missão como um “tempo suspenso”: lá fora, a pressa das festas; ali dentro, a responsabilidade de manter alguém seguro e confortável. As renúncias emocionais, como a saudade guardada para não pesar o ambiente, são silenciosas, mas profundas. “Enquanto outros brindam, estamos atentos a sinais e medicações”, resume.

Mesmo assim, ela escolhe estar ali. Para Greice, o Natal também se manifesta no serviço: um olhar mais demorado, uma mão segurada por alguns segundos a mais, um “Feliz Natal, você não está sozinho. São gestos simples que carregam o verdadeiro espírito da data. O paciente pode não lembrar o nome de quem o cuidou, mas a sensação de ter sido tratado com carinho e respeito permanece registrada na memória afetiva dele, como um rastro de paz em um dia que poderia ter sido de solidão”, ressalta Greice emocionada lembrando que esse é seu primeiro Natal como avó e não vai estar com o pequeno Francisco, mas ainda assim ela celebra afirmando que ao final do plantão, leva consigo a certeza de que cuidar é um ato de amor que não conhece feriado; é colocar a saudade um “bolso invisível” para não transparecer tristeza a quem já está fragilizado”.

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