Por Alexandra Cavaler
Nos últimos meses, o aumento no número de casas de apostas online, conhecidas como bets, e de pessoas endividadas ou até mesmo perdendo a própria vida por conta do vício em jogos de azar tem chamado atenção em todo o país. Em Criciúma, mesmo sem dados locais consolidados, o impacto social já é motivo de alerta.
Em resposta a essa realidade, foi aprovada na cidade a lei que institui a campanha permanente de conscientização sobre os riscos dos vícios associados a jogos de azar e apostas online. “O objetivo é desenvolver ações de caráter informativo, preventivo e educativo, especialmente voltadas aos jovens, um dos públicos mais afetados”, explica a vereadora Giovana Vito Mondardo, autora do documento.
Números nacionais impressionam
De janeiro a março de 2025, os brasileiros destinaram até R$ 30 bilhões por mês às apostas online — um crescimento expressivo em relação aos R$ 20 bilhões mensais registrados em 2024. “As plataformas de apostas se consolidaram como o segundo destino mais acessado da internet no Brasil. Em maio, por exemplo, foram 68 milhões de acessos diários, chegando a um pico de 76 milhões durante a partida entre PSG e Arsenal”, revelou Giovana.
Além disso, segundo a vereadora, dados apontam que 86% das pessoas que apostam possuem dívidas, e 64% estão negativadas no Serasa. Ainda de acordo com ela, Santa Catarina, segundo os registros mais recentes, concentra 86 bets sediadas, o que corresponde a 3,8% do total do país.
“São dados que mostram a urgência de uma legislação específica e de ações concretas. Por isso aprovamos a lei, que prevê campanhas permanentes por meio de painéis, debates, apresentações em escolas e divulgação em meios digitais”, destacou o autor da proposta. A medida aguarda agora a sanção do prefeito para começar a valer.
O projeto também prevê parcerias com instituições que possam ampliar o alcance da campanha, envolvendo escolas, unidades de saúde e outros espaços públicos. “É um tema que já faz parte da realidade da população, com relatos constantes de prejuízos ligados ao vício em apostas. Com essa lei, queremos criar uma rede de conscientização e prevenção que alcance especialmente os adolescentes, mas também toda a sociedade”, concluiu Giovana.
A expectativa é que, uma vez sancionada, a iniciativa sirva de exemplo para outras cidades que enfrentam o mesmo desafio.
Professor da Unesc alerta: dependência silenciosa desafia saúde mental
O vício em jogos de azar, especialmente as apostas online, vem se consolidando também como um problema crescente de saúde pública. Segundo especialistas em Psicologia, embora não envolva uma substância química como álcool ou nicotina, o comportamento compulsivo de apostar ativa as mesmas áreas do cérebro associadas a outros tipos de dependência, por meio da liberação de dopamina — neurotransmissor ligado à sensação de prazer e recompensa.
“O comportamento se torna patológico quando o tempo dedicado ao jogo interfere nas relações sociais, no trabalho e no bem-estar do indivíduo”, explica o psicólogo Bruno Silva Silveira, professor do curso de Psicologia da Unesc. Ele alerta que a pessoa pode se isolar para manter o hábito escondido, buscando apostas mesmo durante eventos sociais ou no ambiente de trabalho.
Entre os fatores que potencializam o problema, destacam-se transtornos de humor como depressão e ansiedade, além de questões sociais. “Muitos trabalhadores buscam nas apostas uma forma de ascensão financeira rápida ou de quitar dívidas, o que revela um contexto social associado ao vício”, observa Bruno.
O tratamento, segundo o psicólogo, depende muito do envolvimento da própria pessoa. “É essencial que ela reconheça o problema. Sem essa percepção, o processo se torna mais difícil e demorado”, diz, acrescentando que não há um tempo exato para a recuperação, e a abordagem terapêutica mais recomendada é a terapia cognitivo-comportamental, embora outras linhas também possam ser eficazes.
Outro alerta importante, segundo o profissional, diz respeito às crianças e adolescentes, mais vulneráveis a esse tipo de comportamento. “O cérebro deles ainda está em desenvolvimento, especialmente a região responsável pelo autocontrole”, explica. “O resultado pode ser aumento de estresse, ansiedade, agressividade e prejuízos no desenvolvimento social”, assinala.
Como forma de prevenção, o especialista destaca o papel das famílias e das escolas. “O ideal é reduzir o tempo de telas e incentivar outras atividades, como esportes e brincadeiras ao ar livre”, afirma Silveira, argumentando: “O diálogo constante com crianças e jovens também é essencial para perceber sinais de alerta, como comportamentos escondidos ou agitação excessiva relacionada ao uso de dispositivos eletrônicos”.
Por fim, o psicólogo defende a presença de profissionais de saúde mental no ambiente escolar: “A escola é um espaço privilegiado para mapear o que os alunos estão vivendo e compartilhando, inclusive em relação às apostas online”.
Comportamentos compulsivos não são apenas problemas individuais. Segundo o psicólogo, eles refletem desafios sociais que pedem atenção e atuação conjunta de famílias, educadores e profissionais da saúde.
“Não consigo parar”
Há um ano e meio, Helena (nome fictício) conheceu os jogos online por influência de um sobrinho. “Ele disse: ‘Tia, baixa essa plataforma que dá pra ganhar um dinheirinho’. No começo, ganhei sem colocar nada, só com bônus. Foi o que me prendeu”, contou.
Desde então, ela nunca mais passou um dia sem apostar. “Não consigo ficar sem jogar. Já gastei mais de 12 mil reais, talvez uns 20 mil juntando tudo”, revelou Helena, que enquanto conversava com a reportagem, disse ter acabado de perder R$ 250. “Desanimei, não jogo mais hoje”. Questionada se conseguia resistir, a resposta foi: “É raro eu conseguir parar. Às vezes só dou uma pausa e volto no mesmo dia”.
Helena tem três filhos e admite que o jogo interferiu na relação com eles. “Eles cobram atenção, mas eu chego em casa e continuo jogando”. Apesar de ainda não ter procurado ajuda profissional, diz que pensa nisso para o futuro. “Talvez daqui seis meses. Ainda não vi necessidade, mas pode acontecer”, falou sem dar muita ênfase à situação.
Quase 70 plataformas de apostas instaladas no celular
Helena ainda ressalta que no começo os ganhos a entusiasmaram a seguir apostando. “Ganhei R$ 1.400 com um depósito de 30. Fiquei empolgada. No dia seguinte perdi R$ 600. Aí segui tentando recuperar. É assim que funciona. Inclusive, teve noite que perdi R$ 500, R$ 600. Já pedi dinheiro emprestado para jogar, não muito, mas já aconteceu. O problema é que vou depositando: 50 aqui, 70 ali, um pouco em cada plataforma, pois jogo em todas elas”, assinalou Helena, que tem 69 plataformas de apostas instaladas no celular. E ao final da entrevista, questionada sobre o motivo de continuar, Helena responde sem rodeios: “É vício mesmo”, admite.
Colaboração: Jornal Tribuna de Notícias