A Reforma Tributária já é lei e começa, passo a passo, a redesenhar o mapa fiscal do Brasil. O que antes parecia um debate distante, restrito aos corredores de Brasília, agora invade a rotina das prefeituras e mexe no coração da arrecadação municipal. A mudança não altera apenas regras, mas desmonta pilares históricos de receita, exigindo uma reação rápida e estratégica. Enquanto muitos ainda se prendem aos números bilionários e aos impactos macroeconômicos, um ponto vital corre o risco de passar despercebido: a necessidade urgente de reengenharia completa das administrações tributárias, com adaptação de sistemas, capacitação de equipes e novas estratégias para evitar perdas milionárias e proteger investimentos essenciais. O alerta vem da presidente da Associação dos Fiscais e Auditores Tributários Municipais de Santa Catarina (AFAMESC), Márcia Zilá Longen.
“Mesmo com o IBS sendo centralizado, os municípios precisarão desenvolver novas competências fiscalizatórias. Entender o fluxo do IBS e da CBS será vital para garantir uma partilha justa e apoiar a fiscalização. Isso não é modismo. É uma necessidade premente. Os municípios que não investirem em sistemas robustos e capacidade analítica ficarão para trás, independentemente das compensações”, enfatiza a presidente Márcia.
A mudança atinge o coração da arrecadação municipal: o ISS, principal tributo sobre serviços que garante receitas fundamentais para a manutenção de serviços públicos, deixará de existir e será incorporado ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A arrecadação passará a ser administrada de forma centralizada por um Comitê Gestor nacional e seguirá o princípio do destino, ou seja, o imposto ficará com o município onde o consumo ocorrer, e não onde o serviço ou produto for produzido. Essa inversão de lógica tem potencial para provocar reviravoltas na geografia da arrecadação brasileira.
Cidades que prosperaram durante anos por concentrarem empresas prestadoras de serviços podem enfrentar perdas expressivas, enquanto outras, antes com arrecadação modesta, podem ganhar espaço. Mas esse movimento não será automático: tudo dependerá da capacidade de cada município em acompanhar, validar e contestar dados no sistema nacional.
O desafio é agravado pelo fator tempo. A contagem regressiva para adequação já está em curso e envolve prazos fatais que, se ignorados, podem provocar danos irreversíveis. Até o dia 31 de dezembro de 2025, todas as prefeituras deverão aderir à Nota Fiscal Padrão Nacional e compartilhar informações com o Ambiente de Dados Nacional (ADN). Não se trata de uma mera formalidade: quem não cumprir poderá ter suspensas as transferências voluntárias, recursos que em muitos casos representam a sobrevivência de programas sociais, manutenção de obras e até a folha de pagamento de serviços essenciais.
Logo em seguida, até o final de 2026, será obrigatória a atualização e georreferenciamento de parte dos cadastros imobiliários, a adesão ao Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) e a implementação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB). Essa medida vai permitir mais eficiência na tributação sobre a propriedade e no controle de operações imobiliárias que servirão de base para a arrecadação do IBS. O problema é que, para boa parte dos municípios, especialmente os de pequeno e médio porte, isso significa uma corrida contra o tempo para modernizar sistemas, treinar equipes e ajustar a legislação local.
“Estamos falando de mudanças estruturais que exigem decisão política e investimento imediato. Não é só apertar um botão. É repensar processos, redesenhar fluxos e criar inteligência fiscal”, alerta Márcia.
Para acelerar essa preparação e oferecer respostas concretas, o 3º Congresso Catarinense de Administração Tributária Municipal (CONCAAT), que acontece de 27 a 29 de agosto, em Blumenau, será um ponto de encontro decisivo. O evento reunirá fiscais, auditores, procuradores, prefeitos e especialistas para discutir soluções práticas e estratégicas, com painéis como “Nova Arquitetura da Fiscalização Tributária no Brasil” e “Da Lupa ao Algoritmo: a transformação digital da administração tributária”, além de oficinas sobre ISS, ITBI, ITR e Simples Nacional.
“Nosso congresso vai além da teoria. É o momento de pensar coletivamente e encontrar estratégias conjuntas para que nenhum município enfrente sozinho esse desafio”, reforça a presidente.
A AFAMESC, que completa três anos de atuação, vem se consolidando como peça-chave nessa transição, defendendo a valorização da carreira fiscal, promovendo capacitação técnica e acompanhando de perto o processo legislativo que definirá os contornos finais da reforma. Mas, mais do que nunca, a entidade reforça que o maior risco agora é a inércia.
“A reforma não é apenas uma mudança legal, é uma reconfiguração completa do federalismo fiscal. Quem não se planejar e executar todas as ações agora, estará assinando um cheque em branco para o futuro”, conclui Márcia.