A tentativa de feminicídio foi registrada no bairro Pio Corrêa, em 2021, e somente não se consumou porque a vítima conseguiu gritar por socorro. Após denúncia do MPSC, réu foi condenado a mais de dez anos de prisão em regime inicialmente fechado
Era sexta-feira. O relógio marcava pouco mais de dez horas da manhã. Maria retornava para casa após deixar o filho na escola. Enquanto caminhava, foi abordada pelo ex-companheiro. Maria tentou ignorar o homem e seguir o trajeto, mas foi impedida, arrastada até uma área de mata e agredida com socos e chutes, o que provocou diversas lesões.
O caso de Maria somente não se tornou mais um trágico registro de feminicídio porque, em um momento de distração do agressor, a vítima conseguiu pedir socorro a um casal que passava pela rua, foi quando o homem fugiu do local. O nome fictício é utilizado para relatar um crime real ocorrido em Criciúma em 2021. Nesta terça-feira (3/10), o réu, de 26 anos, foi condenado a 10 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão pela tentativa de homicídio triplamente qualificado.
Após denúncia do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), o Tribunal do Júri da Comarca de Criciúma reconheceu a prática da tentativa de homicídio com três qualificadoras: motivo fútil, já que o homem tentou matar a ex-mulher por não aceitar o término do relacionamento que os dois mantiveram por um ano e porque não aceitava ser ignorado pela vítima; emprego de asfixia, pois o condenado pressionou uma camiseta na boca da vítima para silenciá-la e sufocá-la, duas vezes, mesmo após a vítima ter desmaiado, ao mesmo tempo em que a ofendida estava impedida de respirar em razão do excessivo sangue que jorrava por seu nariz; e pela condição do sexo feminino da vítima, já que o agressor se prevaleceu da relação doméstica e familiar e em descumprimento de medidas protetivas decretadas em favor da agredida, qualificando, assim, o crime como feminicídio.
“O acolhimento, pelos jurados, da tese condenatória do Ministério Público do Estado de Santa Catarina demonstra o comprometimento da sociedade com a defesa do direito das mulheres e a consciência de que punir o agressor também é uma forma de garantia dos direitos humanos da vítima”, afirmou Juliana da Costa Lima Cangussu, Promotora de Justiça Substituta da Comarca de Araranguá, que representou o MPSC no Tribunal do Júri.
Cabe recurso da sentença, mas o Juízo negou ao réu, que acompanhou o processo preso preventivamente no Presídio Regional de Criciúma, o direito de recorrer em liberdade.
“Oi, Meu Nome é Maria”
Maria também é um nome utilizado em uma importante campanha de conscientização do Ministério Público Catarinense. A campanha “Oi, meu nome é Maria” leva até escolas de diversas regiões do estado, desde 2022, informações sobre o combate à violência contra as mulheres e as questões relacionadas à Lei Maria da Penha, como direitos, garantias e medidas de proteção.
Voltada ao público jovem e inspirada em capas de livros e cartazes de seriados, a campanha usa a imagem da própria Maria da Penha quando jovem, uma farmacêutica brasileira que foi vítima de dupla tentativa de homicídio e ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis das agressões de Marco Antonio Heredia Viveros em 1983. Maria da Penha lutou para que seu agressor fosse condenado. A sua trajetória em busca de justiça durante 19 anos e seis meses faz dela um símbolo de luta por uma vida livre de violência contra as mulheres e deu nome à Lei 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006.
Por meio de palestras, Promotores e Promotoras de Justiça da área da violência doméstica conversam com adolescentes sobre a importância de combater esse tipo de crime e como prevenir, além de informar os professores sobre a rede de atendimento local e sensibilizar o público sobre o tema.
MPSC trabalhando em várias frentes
O MPSC ainda atua de outras formas no combate e enfrentamento aos crimes relacionados ao gênero. Criado em outubro de 2021, o Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar e contra a Mulher em Razão de Gênero (NEAVID) tem como objetivo principal o fomento e apoio à implementação de programas e à atuação das Promotorias e Procuradorias de Justiça nas atividades de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher, com atuação especial nas questões de violência decorrentes das relações domésticas e familiares.
O Núcleo Especial de Atendimento às Vítimas de Crimes (NEAVIT) também presta atendimento às vítimas de violência doméstica e estabelece uma nova forma de atuação dos órgãos públicos no combate à violência. O serviço é prestado por uma rede de proteção formada pelo MPSC, pelo Tribunal de Justiça, por Secretarias de Estado, pelas Polícias Civil e Militar e pela OAB/SC. É voltado ao atendimento humanizado das vítimas, orientando-as sobre os seus direitos e encaminhando-as aos serviços disponibilizados pelas diferentes instituições e órgãos do estado, parceiros no projeto, que formam a rede de garantias aos cidadãos e cidadãs que sofreram o impacto do crime.
As mulheres vítimas de violência também podem contar com a Ouvidoria da Mulher. Trata-se de um canal especializado de recebimento e encaminhamento de fatos envolvendo violência contra a mulher em Santa Catarina às autoridades competentes. A Ouvidoria ainda promove a integração com outras instituições envolvidas na prevenção e no combate a esse tipo de crime.