Enquanto há quem caminhe menos de cinco minutos para chegar à escola e não valorize a oportunidade de aprender, seis pessoas da mesma família, que moram na comunidade de Coqueiros, em Içara, driblam o cansaço e as dificuldades para se dedicar aos estudos, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), na escola Lúcia de Lucca, no bairro Jardim Silvana. Nem mesmo a chuva e o frio ou a vontade de chegar em casa para descansar após mais um dia de trabalho abalam a jornada de uma mulher de 59 anos, o filho e a filha, além do genro, nora e um neto em busca do conhecimento.
Tudo começou com a merendeira Elis Cristina Bittencourt Alves. Ela revela que sempre quis voltar às salas de aula, principalmente pela atividade profissional, em que vê diariamente tantas crianças na escola. “Meu marido precisava estudar para progredir na empresa em que trabalha. Estudei apenas até o quarto ano, mas agora já cheguei ao nono. Assim que terminar o ensino fundamental, já começarei o médio”, comenta, já sonhando com a formação superior.
O marido dela, Cleibe da Silva Alves, é líder de setor numa metalúrgica e sentiu a necessidade de concluir os estudos para progredir na carreira. “A empresa não exigiu, mas percebi que ia até um ponto e dali não passava. Todos os líderes têm ensino médio, mas devido à minha experiência, conquistei o cargo. Como minha esposa já tinha vontade de voltar (a estudar), unimos o útil ao agradável”, enfatiza.
Ele lembra que pensou que seria mais difícil retornar à escola. “Conseguiram vagas para nós, gostamos, continuamos e convidamos os familiares para virem conosco”, explica. “Quero me especializar na área em que atuo”, projeta.
Todos à escola
Irmão de Elis, Enio Bittencourt e a esposa, Daiane da Silva Oliveira Bittencourt, foram os primeiros a aceitar o convite. “Estudei até a terceira série, agora estou no quarto e quinto anos. A gente vê que não consegue mais acompanhar quem estudou. A empresa em que trabalho também pediu que concluísse os estudos, então voltamos para a sala de aula”, conta Enio. “Meus colegas que dão força para que eu possa estudar. Consegui até trocar o horário para ter a noite para vir para a aula”, comemora.
Também merendeira, Daiane lembra que a história do casal é semelhante à de Elis e Cleibe. “Eu queria e meu marido precisava. Então decidimos acompanhá-los”, destaca, frisando que, na sequência, os dois trouxeram o filho, Patrick, de 17 anos. “Eu poderia estar à frente, mas voltei para estudar na mesma turma que o marido”, justifica.
Mais jovem da turma, Patrick explica que optou pelo EJA após repetir três vezes na escola regular. “Havia muita bagunça e, por isso, não conseguia aprender. Agora tiro notas boas e estou no nono ano”, revela, afirmando que vai terminar o ensino médio, porém, ainda não decidiu se irá para a faculdade.
A alegria de poder ler as primeiras palavras
A última a se juntar ao grupo foi Oládia Scremin Bittencourt, de 59 anos. Ela relembra que sequer aprendeu a ler quando criança, pois teve que abandonar a escola antes de concluir a alfabetização. “Tinha que ajudar minha mãe na roça, onde continuei a trabalhar depois que casei”, justifica. “Agora já consigo pegar um livro ou jornal e entender o que está escrito. É maravilhoso”, comemora. “Antes era como ser cega. Hoje posso ir ao mercado sozinha”, aponta.
Os seis costumam sair de casa por volta das 18 horas, quando pegam o ônibus que vai até a rodoviária, no Centro. De lá, caminham até a escola, num trajeto que leva cerca de 15 minutos. “A aula termina às 22h30min, então vamos a pé até a rodoviária e esperamos o ônibus que nos leva até a porta de casa, onde chegamos por volta das 23h15min”, conta Cleibe, que garante que não pensa em não ir à escola, mesmo após um cansativo dia de trabalho. “É mais que uma obrigação. Viemos porque gostamos”, resume.
Matrículas
O coordenador do EJA, Jairto Vitto Júnior, ressalta que as matrículas são feitas sempre ao final de cada ano. “Nosso projeto é referência em todo o município. Temos uma fila de espera, já que quem se forma indica para outras pessoas”, enfatiza, contando que uma das principais barreiras é a vergonha. “Alguns alunos não gostam de admitir que não sabem ler, mas isso é mais comum do que se imagina. Assim que chegam, percebem que há mais pessoas na mesma situação e todos se ajudam”, salienta.
Especial Jornal Gazeta