Por Alexandra Cavaler
A esporotricose, uma zoonose que atinge principalmente os gatos, mas também pode contaminar cães e humanos, deixou de ser um alerta distante e hoje se tornou um problema de saúde pública que muitos municípios insistem em ignorar. Em Criciúma, onde os casos suspeitos aumentam e a doença passou a ser de notificação compulsória apenas no último ano, a realidade expõe falhas estruturais, desinformação e uma política historicamente baseada na solução mais cruel e ineficaz: a eutanásia indiscriminada.
O projeto de adoção e resgate de gatos “Quero Adotar”, de Criciúma, que existe há um ano e acolhe animais doentes, abandonados e mutilados pelo avanço do fungo, é uma das vozes mais firmes na luta contra essa lógica. Laura Coan, uma das responsáveis pela entidade, faz um apelo que ecoa entre protetores, veterinários e tutores desesperados. “Eles são apenas vítimas. Existe cura. Existe tratamento. Existe outra forma que não seja a eutanásia. Precisamos de políticas públicas de conscientização, precisamos de aparato do Estado, precisamos de verba municipal e espaço adequado para tratamento. Os gatos são as principais vítimas, mas são vistos apenas como transmissores que devem ser ‘combatidos’. Eles precisam de tratamento”, ressalta.
Laura lembra que a doença, quando identificada e tratada corretamente, pode ser curada. O problema é que muitos municípios preferem resolver a situação de forma rápida e equivocada. “A realidade que os municípios insistem em ignorar é que matar os gatos não resolve nada. Eles não são o problema. São vítimas de um fungo capaz de destruir uma vida saudável em pouco tempo. Precisamos falar sobre esporotricose. Existe outra forma de lidar com isso que não seja matando eles”, declara Laura, que é advogada, acrescentando que o projeto recebe diariamente pedidos de ajuda, fotos de animais feridos e casos avançados que poderiam ter sido evitados. Para quem quiser contribuir, o PIX da instituição é queroadotar2024@gmail.com. E mais informações podem ser obtidas pelo @quero.adotar.
Município aciona plano emergencial diante do aumento de casos
O secretário municipal de Saúde de Criciúma, Deivid Freitas, afirma que o cenário exige preocupação. “Estamos preocupados devido ao aumento de casos suspeitos. Como a esporotricose só passou a ser de notificação compulsória no município no último ano, não há registro histórico confiável para comparar crescimento. No entanto, a Vigilância Epidemiológica confirma que hoje as notificações de animais são superiores às de humanos”. Em Criciúma foram confirmados dois casos humanos e sete gatos, em 2025.
A subnotificação, segundo o secretário, ainda é um problema, mas o município diz reforçar diariamente a necessidade de que veterinários e profissionais das unidades de saúde façam a notificação compulsória. “A doença é pouco conhecida e muitas pessoas demoram a buscar ajuda. O tratamento é longo e precisa ser seguido rigorosamente. Com a oferta gratuita das medicações também para animais, pois estamos adquirindo, acreditamos que vamos ter um maior êxito nos tratamentos”, afirma Deivid.
Freitas também explica o fluxo de investigação. “Em animais a coleta é feita pela médica veterinária do Centro de Zoonoses e enviada ao Laboratório do Estado. Em humanos a investigação é conduzida pela Vigilância Epidemiológica, que orienta unidades de saúde e encaminha amostras ao laboratório estadual.
Plano de Contingência Emergencial
- Busca ativa de animais doentes em áreas com registros confirmados;
- Agentes de endemias em campo;
- Criação de um canal de WhatsApp para envio de fotos e localização de animais suspeitos;
- Isolamento obrigatório dos animais infectados;
- Compra e distribuição gratuita de medicamentos antifúngicos para animais, uma medida inédita no município;
- Campanhas educativas nas redes sociais e ações que serão levadas às escolas.
Canais oficiais:
-Centro de Zoonoses: 3430-0698
– WhatsApp para suspeitas: 48 99164-5295
O que dizem os veterinários: sintomas, tratamento e riscos
O médico veterinário Matheo Kindel alerta que os primeiros sinais são facilmente percebidos, mas frequentemente ignorados. “As primeiras lesões não cicatrizam e se espalham rápido. Quanto ao diagnóstico preciso, o mesmo é feito por meio de avaliação médica e de exames, como citologia e cultura fúngica. Sobre a transmissão, cabe destacar que entre os animais a contaminação ocorre principalmente através de lacerações de pele por mordedura ou arranhadura e de forma similar a zoonose (animal para o humano)”. Quanto ao tratamento o médico veterinário assinala que o mesmo é feito com antifúngicos de uso oral, tópico ou ambos; com duração média de seis a oito meses.
Questionado sobre as causas da desistência do tratamento por parte dos tutores, o profissional explica que o tempo de tratamento é um dos principais fatores. “O tratamento para esporotricose requer tempo, pois em média o tratamento é bem longo e disposição emocional, física e financeira por parte dos tutores para que consigam realizar o mesmo em casa. Sua desistência pode se dar ao fato da dificuldade em ter acesso a um tratamento que não seja por vias de atendimento particular, riscos e medos associados à contaminação durante o manejo do gato e, em alguns casos, por observar a melhora dos sinais clínicos e acabam suspendendo o tratamento antes da alta médica. Lembrando que sem acompanhamento profissional, o quadro pode evoluir para forma sistêmica, causar infecções secundárias graves e até levar o animal a óbito”, alertou.
O profissional ainda faz um alerta quanto às medidas de proteção a serem adotadas durante o tratamento. “O ideal é o uso de luvas de procedimento descartáveis durante todo o tratamento, manter o gato em isolamento de outros animais e humanos, evitando manipulações excessivas, somente quando necessário e estipulado pelo médico veterinário. Em casos de acidentes e ou feridas com animais contaminados, indica-se atendimento médico imediato no SUS”.



















